Roger Silva
4 min readJan 27, 2023

Uma Viagem a Lilipute

Viagens de Gulliver
Viagens de Gulliver

Não seria propicio, por algumas razões, incomodar o nosso leitor com detalhes de nossas aventuras naqueles mares; sendo o suficiente informá-lo, que na nossa passagem dali para as Índias Ocidentais, fomos apanhados por uma violenta tempestade que nos conduziu para noroeste da Terra de Van Diemen. Doze dos nossos tripulantes morreram por excesso de trabalho e por causa da má alimentação; todos os outros encontravam-se em condições de extrema debilidade. Em 5 de Novembro, que era o inicio do Verão naquelas regiões, o tempo começou a ficar muito nublado, os marinheiros avistaram um rochedo à meia distância do tamanho do cabo do barco, mas como o vento estava muito forte, fomos directamente impulsionados para ele e imediatamente nos desintegramos. Seis homens da nossa tripulação, entre eles incluindo eu, descemos o bote no mar e deslocamo-nos para nos afastarmo-nos do barco e do rochedo. Remamos, segundo meus cálculos, cerca de três léguas, até não podermos mais, estando já muito desgastados com o trabalho que havíamos realizado no navio.

Assim ficámos á mercê das ondas e durante meia hora o bote foi tombado por uma súbita agitação de norte. O que aconteceu com os meus companheiros do bote, bem como com aqueles que escaparam do rochedo, ou foram deixados no navio, não sei dizer; mas chego a conclusão de que se perderam. Quanto a mim, nadei levado pela sorte, fui empurrado para a frente pelo vento e pela maré. Muitas vezes deixei as minhas pernas afundarem, sem sentir nenhum fundo; mas quando estava quase a desfalecer, e incapaz de lutar mais, acabei ficando com a água até minha altura; e neste momento a tempestade já havia diminuído um pouco. A inclinação era muito pequena, que acabei por caminhar quase uma milha antes de chegar à costa, que segundo meus cálculos já eram 8 horas da noite. Caminhei aproximadamente quase meia milha, mas sem descobrir nenhum sinal de casas ou de moradores; ou pelo menos como estava numa condição de tanta fraqueza, que não consegui observá-los. Estava extremamente cansado, e com isso, e devido ao calor do tempo e com cerca de mais de meio litro de conhaque que bebi quando deixei o navio, acabei por ficar com muito sono. Deitei-me na grama, que era muito baixa e macia, onde dormi tão profundamente como nunca me lembro ter dormido assim em toda a minha vida, e segundo me lembro, cerca de nove horas, pois quando acordei, já era pleno dia.

Tentei me levantar, mas não conseguia nem me mover: Porque, como eu estava dormindo de costas, descobri que minhas pernas e braços estavam fortemente presos nos dois lado ao chão; e meus cabelos, que eram longos e espessos, amarrados da mesma maneira. Além disso, eu sentia várias finas amarrações ao longo do meu corpo, das axilas às coxas. Eu podia tão-somente olhar para cima; O sol se tornava cada vez mais quente e a luz feria meus olhos. Ouvi um ruído incompreensível em torno de mim; mas da forma como estava deitado, não pude ver nada que não fosse o céu. Dentro em pouco percebi algo vivo se movendo sobre minha perna esquerda, que avançando suavemente sobre meu tórax, chegou quase ao meu queixo; Quando, baixando meus olhos tanto quanto pude, percebi que se tratava de um ser humano que mal alcançava quinze centímetros de altura, com um arco e uma flecha na mão, e uma aljava nas costas. Enquanto isso, senti pelo menos quarenta mais destes homenzinhos (como supus) seguindo o primeiro. Eu estava muito assustado, e gritei tão alto que todos correram de volta aterrorizados; e alguns deles, como me contaram depois, se feriram quando caíram de cima do meu corpo até o chão.

No entanto, logo voltaram, e um deles se aventurou a ponto de contemplar completamente meu rosto, levantando suas mãos e olhos em total admiração, gritando com uma voz aguda, porém compreensível “Hekinah degul”: os outros repetiram essas palavras várias vezes, mas naquela época eu não saiba do que se tratava. Estava eu por todo esse tempo, como o leitor poderia pensar, em grande inquietude. Àquela altura, lutanto para me soltar, eu tinha, felizmente, rompido as cordas e me livrado das amarras que prendiam meu braço esquerdo ao chão; pois por levar o braço ao rosto eu descobri os métodos que usavam pra me atar, e ao mesmo tempo, puxando violentamente — o que me causou uma dor lancinante — eu afrouxei um pouco as cordas que atavam a parte esquerda do meu cabelo, de modo que pude então mover minha cabeça por cerca de cinco centímetros.

Origem: Wikisource — Viagens de Gulliver

No responses yet